LABORATÓRIO DE PROLIFERAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO CELULAR

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atualizado em 08/03/2005

Células Tronco Hematopoiéticas

    O conceito de célula tronco vem da conotação óbvia de ser a base para a formação das estruturas mais complexas e diversas que compõem o corpo.

A definição teórica para esta entidade celular é que uma célula tronco, primitiva por natureza, caracteriza-se pela sua capacidade de gerar uma prole idêntica e outra diferenciada. Portanto, ela deve ter a partir da sua divisão assimétrica, ou seja, separação desigual do conteúdo citoplasmático, um potencial de auto-renovação e multipotencialidade (Kondo, Wagers et al., 2003; Takano, Ema et al., 2004).

Características

Como mencionado anteriormente, a origem da célula-tronco hematopoiética está diretamente relacionada com a vasculogênese, a partir do hemangioblasto (Chung, Zhang et al., 2002; De Bruijn, Ma et al., 2002; Minasi, Riminucci et al., 2002). Inicialmente, o reconhecimento da existência da atividade de células tronco na medula foi feito através de experimentos de reconstituição hematopoiética em animais após irradiação gama (Till e Mcculloch, 1961). A busca pela identidade destas células multipotentes levou à descoberta da capacidade de expurgação dos corantes Hoescht e Rhodamina encontrada em todas as células progenitoras. Atualmente, sabe-se que esta atividade é exercida por intermédio das proteínas de membranas Pgp[1] (glicoporteína P) e Bcrp1[2]  (Zhou, Schuetz et al., 2001; Asakura e Rudnicki, 2002). Tecnicamente, esta atividade caracteriza a SP[3] (side population). Recentemente, no entanto, foi demonstrado que esta capacidade de expulsar estes corantes está relacionada com o grau de ativação dos progenitores, não mais servindo como um parâmetro de isolamento para células tronco (Uchida, Dykstra et al., 2004). Portanto, parece existir uma heterogeneidade tanto celular quanto de atividade hematopoiética dentro das células que compõem a SP. Dados recentes indicam que uma subpopulação SP expressa concomitantemente o co-fator do receptor de TGFb, endoglina. Aparentemente, são estas células SP+endoglina+ que retêm a atividade de célula tronco hematopoiética (Chen, Li et al., 2002; Matsuzaki, Kinjo et al., 2004). No entanto, ainda não se conhece profundamente a identidade desta população, acreditando-se que ainda haja uma grande heterogeneidade entre elas.

Um perfil fenotípico mais estreito para a identificação das células tronco vem sendo traçado a partir da caracterização de antígenos de superfície. Os mais primitivos possivelmente são CD41 e AA.4. No período embrionário, seja no saco vitelínico, seja na AGM, CD41[4] parece ser o primeiro parâmetro para a caracterização das HSCs. Já que, células CD41+ derivadas de corpos embrióides, saco vitelínico ou AGM, são capazes de gerar células hematopoiéticas CD45+ (Ferkowicz, Starr et al., 2003; Mikkola, Fujiwara et al., 2003). Neste mesmo período, embrionário e fetal, o antígeno AA.4 é expresso em todas as células multipotentes hematopoiéticas e, por isto considerado um marcador pan-HSC (Petrenko, Beavis et al., 1999)

Já no sítio hematopoiético definitivo murino, a medula óssea, toda a atividade de célula-tronco hematopoiética está concentrada na população identificada pela expressão simultânea de CD117+Sca-1+ e, ausência de marcadores de linhagens, denominada Lin (CD3/4/8, NK1.1, B220, Gr-1, Mac-1 e Ter119) (Kondo, Weissman et al., 1997). Dentro desta população Lin-CD117+Sca-1+ existem subgrupos com características hemato-fisiológicas distintas que identificam as subpopulações primitivas do início da cascata de diferenciação hematopoiética (Kondo, Wagers et al., 2003), como visto na figura 1.

 

No topo da pirâmide hematopoiética está a LT-HSC (long-term-HSC – HSC de longo prazo), capaz de reconstituir indefinidamente sistemas hematopoiéticos de animais irradiados, identificadas como Lin-CD117+Sca-1+CD90lowFlk-2-[5]CD127-[6]CD34-/low. O avanço no programa genético da hematopoiese dá origem ao segundo estágio caracterizado pelo perfil Lin-CD117+Sca-1+CD90lowFlk-2+CD127-CD34+CD11blow. Esta última população é denominada ST-HSC (short term-HSC – HSC de curto prazo), pois possui capacidade de reconstituição limitada em relação às LT-HSC, entretanto ainda demonstra atividade de auto-renovação. As populações LTs e STs são seguidas pelas MPPs (multipotent progenitors – progenitores multipotentes). A identidade das MPPs se dá pela expressão de Lin-CD117+Sca-1+CD90-Flk-2+CD127-CD34+CD11blow. A partir deste último estágio de progenitores irrestritos, MPPs, ocorre uma dicotomia linfo-mielóide, envolvendo os programas de comprometimento celular que serão discutidos em seguida.

Notoriamente, a partir do estágio MPP, a atividade de automanutenção dos precursores não é mais detectada. Coincidentemente, esta atividade de auto-renovação finda com o início da expressão da tirosina quinase receptora de citocina, Flk2 (Adolfsson, Borge et al., 2001).

Componentes da família de genes homeóticos, Hoxb4 (Kyba, Perlingeiro et al., 2002) e Hox9 (revisado em (Kondo, Wagers et al., 2003)), parecem ser importantes para a manutenção e indução desta atividade de auto-renovação. Além destes, FGF-1 parece participar deste fenômeno (De Haan, Weersing et al., 2003), já que potencia a atividade LT em células tronco transplantáveis. Existem evidências de que o fator de transcrição GATA-2 também participa da automautenção das HSCs, uma vez que sua ausência causa anemia severa provocada pela incapacidade de proliferação dos precursores (Tsai e Orkin, 1997). Foi demonstrado que a citocina LIF, através da ativação de STAT-3 (signal transducer and activator of transcription factor – fator transdutor de sinal e ativador de transcrição), é indispensável para a manutenção da atividade de auto-renovação das HSCs, pois induz proliferação, mas não diferenciação celular (Niwa, Burdon et al., 1998).

Programa de comprometimento celular

O conceito de comprometimento é motivo de dúvidas em muitas situações. O entendimento e/ou classificação deste deve ser analisado caso a caso. Aqui, o comprometimento celular será tratado como um estado característico de envolvimento com uma linhagem hematopoiética. Ele será subdividido hierarquicamente em especificação e determinação. Um exemplo hierárquico de comprometimento celular hematopoiético pode ser dado pelo fato de que um precursor pode estar especificado para o destino linfóide ou mielóide e, logo após, determinado à diferenciação em linfócito B.

Como a hematopoiese envolve a diferenciação de diversos tipos celulares, é intuitivo imaginar que este processo precisa de um controle rígido e bem coordenado, para que os programas de comprometimento sejam executados com sucesso. Isto significa que a cascata de eventos que permite uma célula tronco diferenciar-se em uma célula sangüínea altamente especializada segue uma hierarquia bem definida nos diferentes níveis de desenvolvimento. Ou seja, durante a formação das diferentes linhagens celulares existem células em estágios intermediários, as quais ainda não estão determinadas, mas já demonstram especificação.

Existem duas hipóteses não excludentes que explicam o processo de comprometimento celular (Krause, 2002). Uma delas diz que a especificação celular é definida por eventos estocásticos e, portanto imprevisíveis. A outra admite que a influência do meio é determinante para o prosseguimento de um dado programa gênico. Atualmente, a combinação destas duas hipóteses parece ser mais plausível (Douagi, Vieira et al., 2002; Fisher, 2002).

Fatores de transcrição e receptores protéicos estão entre os protagonistas das decisões celulares. Contudo, pouco é conhecido sobre a identidade e a sutileza de ação deles. O que está bem estabelecido é que a promiscuidade genética é um evento essencial para o comprometimento. Ou seja, as HSCs expressam irrestritamente fatores relacionados com os programas conhecidos, linfóide e mielóide, como GATA-3, NOTCH-1, Pax-5 e EPOR[7], G-CSFR, PU.1 etc (Hu, Krause et al., 1997; Miyamoto, Iwasaki et al., 2002; Terskikh, Miyamoto et al., 2003), respectivamente.

O comprometimento celular se dá a partir de um desbalanço da expressão destes fatores intríncecos, como a determinação dose dependente de PU.1 (fator da família Spi-1/ETS) (Dekoter e Singh, 2000). Quando em altas doses, PU.1 conduz o progenitor para a linhagem mielóide. Já em baixas doses permite a execução do programa linfóide, uma vez que PU.1 está envolvido no controle da expressão do receptor de interleucina-7 (IL-7) (Dekoter, Lee et al., 2002). Esta citocina é imprescindível para a especificação da linhagem linfóide, como será discutido posteriormente. Outras interleucinas também influenciam o comprometimento celular, como é o caso de IL-2. O fenótipo linfóide pode ser revertido pela expressão forçada do receptor para IL-2 em precursores comuns (Kondo, Scherer et al., 2000), que a partir de então geram mielócitos e não mais linfócitos.

A cascata de diferenciação hematopoiética dá origem a duas populações fenotipicamente distintas na medula óssea adulta. Estas, concernem os precursores comuns restritos às linhagens linfóide ou CLPs (Kondo, Weissman et al., 1997) e mielóide ou CMPs (common myeloid precursors – precursores comuns mielóides) (Akashi, Traver et al., 2000). Fenotipicamente os CMPs são reconhecidos pelo perfil Lin-Sca-1-CD117+CD90-CD127-CD34+CD16low. Já os CLPs são Lin- Sca-1lowCD117lowCD90- CD127+CD34+CD24low Flk2+CD27+CD43+TdT+. Curiosamente, foi demonstrado que o precursor equivalente dos CLPs no fígado fetal, não está restrito ao potencial linfóide (Mebius, Miyamoto et al., 2001). Esta população Lin-Sca-1lowCD117low B220-CD19+CD24+ CD43+AA.4+CD127+, neste estágio do desenvolvimento, também é capaz de gerar macrófagos . Este fenômeno sugere que pode existir uma imaturidade do ambiente de suporte hematopoiético hepático fetal. O que impede que haja uma dicotomia definitiva no programa celular de um progenitor hematopoiético. Este mesmo princípio pode ser aplicado ao fato de que a co-cultura de precursores hematopoiéticos do saco vitelínico com o suporte do estroma da AGM, torna estes progenitores competentes para a reconstituição hematopoiética completa de um animal receptor (Matsuoka, Tsuji et al., 2001), o que não acontece sem este procedimento. Sustentando assim, o papel do microambiente para o processo de diferenciação celular.

O estágio de CLP parece não ser um estado de determinação, já que a expressão ectópica do receptor de IL-2 pode redirecionar sua diferenciação para a linhagem mielóide (Kondo, Scherer et al., 2000). Isso demonstra que existe uma grande flexibilidade genética durante a especificação linfóide. Portanto, entender os eventos estocásticos somados aos eventos induzidos pelo nicho hematopoiético que conduzem a estes estágios intermediários, pode nos permitir controlar o destino destes precursores em favor de uma linhagem de interesse.

por Hamilton da Silva Junior

[1] Pgp – glicoproteína P da família de proteínas transportadoras transmembrana MDR-1 (multi-drug resistence – gene relacionado com resistência a múltiplas drogas).

[2] Bcrp-1 – é um homólogo de MDR-1. Faz parte da família de proteínas transportadoras ABC de membrana, também conhecido como ABCG2.

[3] SP – utilizando os corantes Rhodamin ou Hoescht em citometria de fluxo pode-se observar uma população celular com citoplasma pouco complexo e tamanho reduzido. Perfil compatível com células precursoras.

[4] CD41 - é uma glicoproteína de membrana relacionada com a atividade megacariocítica e plaquetária.

[5] Flk2 ou Flt3 – FMS-like tyrosin kinase – tirosina quinase do tipo FMS, ou STK-1 (stem cell kinase – quinase de célula tronco). Proteína de membrana envolvida na atividade das células progenitoras.

[6] CD127 ou IL-7Ra - cadeia alfa do receptor de interleucina-7. O receptor funcional é formado pelo dímero alfa-beta.

[7] EPOR – erythropoitin receptor – receptor de eritropoietina. Hormônio indutor da eritropoiese.

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