atualizado em 08/03/2005
Estudo do
estroma hepático é relevante para compreensão deste modelo do tecido conjuntivo
de órgãos parenquimatosos, sítio da hematopoiese extramedular, expansão de
células inflamatórias, e sítio potencial de recepção dos implantes celulares,
como p.ex. ilhotas de Lengerhans. No lóbulo hepático, as células estreladas
perissinusoidais (hepatic stellate cells – HSC) exercem múltiplas funções
conjuntivas, sem formar um tecido propriamente dito. Elas secretam a matriz
extracelular no espaço de Disse, sustentam os sinusóides hepáticos e
interagem-se estruturalmente e funcionalmente com células endoteliais,
hepatócitos e células biliares. As HSC participam nas reações fibrosas hepáticas
produzindo a matriz extracelular e intermediando a formação e a manutenção de
infiltrados inflamatórios. Elas possuem também as funções metabólicas próprias,
uma das mais importantes sendo a armazenagem de substâncias lipossolúveis,
principalmente os carotenóides e o complexo da vitamina-A. Nessa função dupla,
as HSC podem expressar o fenótipo miofibroblástico, quando predominam a suas
características conjuntivas secretando intensamente a matriz fibrosa, ou o
fenótipo lipocítico, quando armazenam lipídeos.
Desde 1985
estudamos in vitro a linhagem permanente GRX, estabelecida no nosso grupo,
representativa das HSC, que nos permitiu desenvolver uma série de abordagens
bioquímicas, morfológicas e funcionais, feitas no Instituto de Ciências
Biomédicas e o Instituto de Química da UFRJ, e o Departamento de Bioquímica da
UFRGS. Estudos da conversão fenotípica das células GRX permitiram a
caracterização das atividades enzimáticas associadas com o metabolismo de
lipídeos, assim como os mecanismos moleculares da absorção, metabolismo,
estocagem e liberação de retinóides, responsáveis para a homeostase sistêmica
destes compostos. A conversão fenotípica das HSC envolve uma re-estruturação do
citoesqueleto, cujo estudo foi concluído. Estudos em andamento procuram
determinar a composição protéica do esqueleto que circunda as gotas lipídicas
contendo as proteínas responsáveis para o trânsito de moléculas hidrofóbicas
entre os citosol e o ambiente lipofílico de gotas, que não possuem uma membrana.
Uma das linhas de pesquisa envolve a caracterização da expressão da lipofilina
e/ou adipofilina, proteínas que circundam as gotas lipídicas em outras células
acumuladoras de gordura (adipócitos, células da glândula mamária), as quais
participam ativamente no metabolismo e na secreção de lipídeos. A outra linha de
pesquisa procura caracterizar as proteínas celulares ligantes de carotenóides,
ainda desconhecidas, que participam aparentemente no metabolismo e armazenagem
destes compostos em HSC.
A função de
esfingolipídios na interação celular e na organização das membranas celulares se
tornou recentemente o foco de novos estudos. No modelo das HSC, o conhecimento
destas moléculas é necessário para a compreensão dos receptores membranares do
retinol que, aparentemente, dependem da sua inserção em regiões específicas nas
membranas, os cavéolos. Estas regiões possuem uma composição particular em
esfingolipídios. O estudo inicial da modulação destes elementos na conversão de
miofibroblastos em lipócitos foi concluído, sendo atualmente estendido num
programa de cooperação com a Universidade de Córdoba, Argentina.
Outro interesse do nosso
grupo é investigar a participação das células conjuntivas hepáticas na
mobilização de eosinófilos para o sítio inflamatório no granuloma hepático. A
esquistossomose experimental murina é uma doença essencialmente abdominal, com
envolvimento direto do mesentério, do sistema porta e dos tecidos adjacentes.
Com a liberação contínua dos antígenos, provenientes dos ovos depositados pelos
parasitas no fígado, há intensa migração de células inflamatórias para o local
da lesão, com a formação progressiva de granulomas periovulares.
Concomitantemente ocorre intensa proliferação de células conjuntivas hepáticas,
que in vitro foram caracterizadas como miofibroblastos e denominadas GR. É de
grande interesse investigar se as células conjuntivas hepáticas participam de
alguma forma no processo eosinofílico no granuloma hepático, expressando e
secretando fatores que são quimiotáticos para eosinófilos, tais como IL-5,
eotaxina e eicosanóides.
A medula óssea é o único
tecido que possui duas categorias de células tronco, interativas e
interdependentes: células tronco linfo-hematopoiéticas e células tronco
mesenquimais. As primeiras dão origem a todas as linhagens de células sanguíneas
e, possivelmente aos hemangioblastos que podem participar na vasculogênese,
incluindo-se a formação do endotélio e dos elementos vasculares murais
(pericitos e células de músculo liso). A sua proliferação e diferenciação
dependem do ambiente medular. As células tronco mesenquimais dão normalmente
origem às células ósseas, cartilagem e adipócitos medulares. Embora estudos
recentes apontem que estas células podem dar origem a outros tipos de células
mesodérmicas, assim com certas linhagens de origem endodérmica, ainda não está
claro se as duas linhagens de células tronco da medula óssea têm um progenitor
comum, ou se ambas podem participar na diferenciação tecidual de células
semelhantes. Interessantemente, pacientes submetidos a uma mieloablação radical
e transplante de medula alogenéico mostraram que as células de origem medular
podem ser reconhecidas como componentes diferenciados em vários tecidos. E
embora confirme a multipotencialidade das células medulares, a identidade destas
células tronco ainda está em aberto.
A
expansão in vitro de células tronco mesenquimais foi recentemente
descrita, possibilitando a obtenção de uma massa celular suficiente nos
procedimentos de terapias celulares. Por outro lado, a expansão de células
tronco hematopoiéticas é difícil, já que a proliferação in vitro induz a
conversão das células tronco com capacidade de auto-renovação ao setor de
células progenitoras intermediárias, dotadas de alto poder de proliferação,
porém sem a capacidade de auto-renovação prolongada. O nosso grupo mostrou
recentemente que o ambiente sub-endosteal, dentro do qual alojam-se as células
tronco hematopoiéticas, contém duas populações celulares distintas: células
endosteais e células reticulares. Enquanto as segundas promovem a expansão de
células progenitoras intermediárias, as primeiras sustentam as células tronco
com alta capacidade de auto-renovação. Frente a potencial relevância deste
achado, estabelecemos um convênio com o National Institute of Health dos EUA,
dentro do qual o pesquisador Alex Balduino, do nosso grupo, realizará uma
analise por SAGE da expressão diferencial de genes destas duas populações,
visando identificar aqueles potencialmente responsáveis da manutenção da
“stemness” dos progenitores hematopoiéticos in vitro.
Os sistemas celulares
complexos, como o sistema hematopoiético, caracterizam-se pela organização
espacial definida, que permite determinar os territórios funcionais específicos,
assim como dirigir a migração dos elementos do próprio tecido ou dos elementos
celulares que participam nas reações inflamatórias permeando os tecidos. As
interações celulares e moleculares envolvem uma comunicação intercelular
indireta, via mediadores solúveis, que podem atuar de maneira endócrina,
parácrina, autócrina ou justácrina, ou via comunicações intercelulares diretas
de tipo “junções comunicantes”. Ambas permitem integrar os tecidos em estruturas
operacionais. A comunicação intercelular é bi-direcional. Os estromas têm a
capacidade de gerar territórios específicos e gradientes, reconhecidos pelas
células migrantes. Por outro lado, as células que migram ou interagem com os
estromas têm a capacidade de influir sobre a fisiologia das suas células e, em
particular, sobre os fatores de crescimento e elementos da matriz que serão
envolvidos na integração funcional tecidual.
Neste contexto o grupo
abordou as junções comunicantes nos estromas conjuntivos, e em particular nos
estromas hematopoiéticos. A função de junções comunicantes em tecidos excitáveis
é amplamente estudada, enquanto o conceito da sua função integradora de estromas
conjuntivos e, em particular, dos estromas hematopoiéticos é recente.
Conseguimos mostrar que a comunicação no estroma via conexina-43 controla a
proliferação e a diferenciação celular no ambiente medular, e que a expressão de
conexinas complementares controla a formação de junções heterólogas entre o
estroma e as células hematopoiéticas. Os mastócitos não se comunicam com o
estroma, embora determinem, por via parácrina, a comunicação no interior do
estroma e, conseqüentemente, a capacidade do estroma de controlar a
hematopoiese.
A produção das células
sanguíneas a partir da célula tronco hematopoiética é denominada hematopoiese.
Hoje, conhecemos diversas células progenitoras dos diferentes tipos celulares
envolvidos na hematopoiese. Dois destes progenitores marcam claramente a
divergência genética entre as linhagens mielóide e linfóide. São eles: o
precursor comum mielóide ou CMP (common mieloid precursor) e o precursor comum
linfóide ou CLP (common lymphoid precursor). Muitos dos fatores que estão
envolvidos nas decisões celulares que levam as células progenitoras a estes
destinos já são conhecidos. Os eventos que culminam com a formação de linfócitos
a partir de CLPs são denominados linfopoiese. GATA-3 e NOTCH-1 são fatores de
transcrição envolvidos na diferenciação de linfócitos T. E2A, EBF e Pax-5 são
reconhecidamente relacionados ao programa de diferenciação dos linfócitos B,
assim como proteínas Id e Ets para células NK (natural killer).
Além dos
fatores intrínsecos já descritos, a indução por fatores presentes no
microambiente, como fatores solúveis ou contato célula-célula, também são
importantes para a condução do desenvolvimento de um dado tipo celular. Entre
eles está a citocina protagonista da diferenciação celular na linfopoiese, a
interleucina-7(IL-7). Mais ainda, as células estromais da medula óssea ou de
qualquer outro sítio hematopoiético, não importa o estágio de desenvolvimento do
organismo, possuem um importante papel no controle da atividade hematopoiética.
Sendo assim, um dos interesses do laboratório é explorar e desvendar os
mecanismos envolvidos na linfopoiese tanto a partir de fatores intrínsecos
quanto induções extrínsecas.
Um
outro projeto de grande interesse do nosso laboratório estuda as relações
estroma vesus células linfo-hematopoéticas oriundas de órgãos linfóides
primários (medula óssea e timo) e secundários (baço, linfonodos e tecidos
linfóides associados às mucosas). Para isto utilizamos várias condições de
cultivo celular. Neste contexto, funções celulares mediadas por associações
proteoglicídicas têm atraído a atenção da comunidade científica. As galectinas
são moléculas protéicas que decifram “glicocódigos”, pois reconhecem certas
estruturas glicídicas e promovem determinadas respostas biológicas. A principal
característica destas proteínas consiste na sua alta afinidade por carboidratos,
geralmente presente nas superfícies celulares. Há vários tipos de galectinas. A
galectina-3 destaca-se pela intensa participação em processos inflamatórios,
sendo produzida por macrófagos, neutrófilos, mastócitos, células dendríticas e
algumas subpopulações de linfócitos. Esta lectina participa da regulação de
diferentes fenômenos celulares, dentre os quais podemos citar: proliferação,
diferenciação, ativação, migração e sobrevivência celular. Assim, propusemo-nos
a estudar o papel da galectina-3 na mobilização de células inflamatórias. Como
ferramentas biológicas, utilizamos animais nocautes para galectina-3 e a
esquistossomose murina como modelo de inflamação.
Também
é de nosso interesse o estudo de interação de estroma conjuntivo e células
secretoras pituitárias. O estroma conjuntivo glandular integra o sistema
vascular, via da comunicação entre a glândula e a circulação sistêmica, e as
células secretoras. Ele garante tanto a posição certa de células em relação com
as vias de secreção, quanto a sua polaridade e relação com o aporte de material
nutritivo e moléculas sinalizadoras. Nessa fase de trabalho conseguimos
caracterizar o estroma glandular como composto de miofibroblastos, e estabelecer
in vitro uma linhagem permanente capaz de estabelecer interações
específicas com as linhagens secretoras. A caracterização plena da matriz
extracelular, da sua função em adesão e interação com moléculas sinalizadoras
esta sendo prosseguida.
As doenças
mieloproliferativas são essencialmente distúrbios relativos à transformação
neoplásica de um clone celular do sistema hematopoiético. Embora as células
hematopoiéticas neoplásicas exibam vantagens de crescimento adquiridas através
de alterações genéticas, elas permanecem sensíveis aos sinais advindos do
ambiente hematopoiético, tanto solúveis quanto mediados por contatos
intercelulares ou matriz extracelular. Ao mesmo tempo, a análise clonogênica de
células transformadas mostra que as células leucêmicas seguem a estrutura
hierárquica geral do sistema hematopoiético, e que somente os precursores mais
imaturos mantêm o clone leucêmico. Com a exceção de células presentes na crise
blástica terminal, a maior parte de células leucêmicas não são clonogênicas.
Portanto, a organização do estroma medular terá efeito profundo sobre a evolução
da doença, assim como a presença de células malignas modificará o próprio
estroma. Essa interação bidirecional pode ser resumida em três situações: (i)
ambiente hematopoiético modificado por processo neoplásico; (ii) ambiente
hematopoiético maligno; e (iii) ambiente hematopoiético indutor da neoplasia.
O foco dessa nova linha de
pesquisa projeto dirige-se essencialmente à terceira situação descrita, propondo
que o ambiente hematopoiético medular seja o indutor primário da neoplasia. Uma
série de resultados experimentais preliminares mostrou que os modelos in vitro
podem permitir uma análise celular e molecular dos estromas conjuntivos
derivados dos pacientes com doenças mieloproliferativas e da sua interação com o
sistema hematopoiético. A nossa hipótese de trabalho é que a população celular
do estroma obtida de portadores de patologias mieloproliferativas é
funcionalmente diferente da normal. Essa diferença se mantém in vitro, em
condições padronizadas de cultura celular, durante numerosas gerações. Trata-se,
portanto, de uma propriedade intrínseca da população celular estudada e não de
uma indução por mediadores pró-inflamatórios, ou por presença de células
malignas.
A manutenção
dessa anormalidade ao longo do cultivo in vitro sugere: (i) uma
modificação genética (incluindo uma eventual infecção viral), (ii) uma seleção
de subpopulações particulares de células estromais a partir do estoque comum
“normal” durante o processo patológico, ou (iii) uma modificação funcional
inicial, induzida in vivo pelo processo neoplásico, mantida in vitro
na população por um “loop” autócrino de citocinas, moléculas de comunicação
intercelular, ou elementos da matriz extracelular que perpetuam o comportamento
modificado da população celular estudada.
Estudos preliminares
mostraram que a interação via junções comunicantes no estroma de pacientes com
neoplasias hematológicas sofre alterações quando comparada com a medula normal.
Em vista da observação citada acima mostrando que a expressão das conexinas
correlaciona-se com a proliferação e diferenciação celular, investimos no estudo
de junções e seu papel nos controles da proliferação e apoptose de células da
medula óssea de pacientes com doenças mieloproliferativas. Essa nova linha de
pesquisa está sendo desenvolvida em colaboração com o grupo da Professora Maria
Mitzi Brentani da Faculdade de Medina da USP e Dr. Luis Fernado Reis do
Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, São Paulo.
Paralelamente,
estudamos a interação entre os estroma hematopoiético medular e as
micrometástases carcinomatosas. Essa linha de trabalho responde à necessidade de
monitoramento da presença da doença residual no material coletado da medula
óssea, ou de células do sangue periférico colhidas por leucoaferese após a
mobilização de células hematopoiéticas, utilizadas para o transplante autólogo
em tratamento dos pacientes portadores de carcinomas, principalmente do câncer
de mama. Por um lado, necessitamos estabelecer os métodos de identificação de
células carcinomatosas no material colhido. Por outro, compreender o significado
da presença de células carcinomatosas para o prognóstico da evolução da doença e
para a escolha da conduta médica adequada.
Quais as
causas da disseminação freqüente de células cancerosas isoladas para o estroma
hematopoiético? Quais as causas da supressão do crescimento rápido de células
cancerosas nesse sítio? Qual a relevância das micrometástases medulares para a
disseminação posterior do câncer? E qual a freqüência da saída dessas células
para tecidos onde poderão readquirir a capacidade de crescimento agressivo?
Estas são algumas perguntas levantadas no nosso projeto.
Vale ressaltar
que resultados preliminares mostraram que a detecção de células carcinomatosas
pode ser feita por métodos moleculares (RT-PCR), correlacionado-se com o grau de
agressividade do carcinoma. O valor prognóstico para o comportamento da doença
frente ao tratamento específico, e para a evolução da doença está sendo estudado
num projeto de longa duração.
Voltar