LABORATÓRIO DE PROLIFERAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO CELULAR

Equipe

Linhas de Pesquisa

Publicações

Endereço

 Links

 

  página inicial

BIOTECNOLOGIA NA ÁREA DE SÚDE HUMANA E ANIMAL

BIOENGENHARIA E BIOMIMÉTICA

atualizado em 08/03/2005

 “It is not the strongest of the species

that survive, nor the most intelligent,

but the one most responsive to change”

- Charles Darwin

             INTRODUÇÃO          

            O texto apresentado abaixo avalia o status de pesquisa e desenvolvimento tecnológico no Brasil, na área de biotecnologia molecular aplicada a ciências médicas e veterinárias, da genômica e do desenvolvimento de bioengenharia e biomimética, abrangendo a engenharia de complexos moleculares que podem substituir as moléculas estruturais de tecidos e órgãos e a engenharia celular e tecidual, visando a substituição terapêutica de estruturas multicelulares, teciduais ou equivalentes a órgãos.

            A biotecnologia conheceu nas últimas décadas do século XX uma expansão intensa, tanto na aquisição de novos conhecimentos, quanto no desenvolvimento de processos tecnológicos e de sua aplicação na área de produção de insumos para a área de saúde e de prestação de serviços. Ela segue atualmente múltiplas vertentes, freqüentemente complementares e interativas.

-                     A Biotecnologia agropecuária e de Produção de Alimentos envolve estudos de novos produtos alimentares, de aplicação de microrganismos geneticamente modificados, animais e plantas transgênicas, e melhoria de qualidade dos vegetais e animais relevantes para a indústria agropecuária. Essa área é também intimamente ligada à biotecnologia da preservação e melhoria ambiental e estudo da biodegradação de poluentes gasosos, líquidos e sólidos do solo.

-                     A Biotecnologia Molecular envolve estudos e desenvolvimento da química combinatorial de biomoléculas, os processos de biotransformação e aplicação de biocatalisadores, a tecnologia de ácidos nucléicos, a engenharia de proteínas, a aplicação de moléculas menores em controles de metabolismo e em farmacologia. As suas aplicações são essencialmente dirigidas para a área de obtenção de produtos industriais de alto valor agregado. Na área de saúde, incluem-se nessa vertente a construção e produção de moléculas recombinantes de ácidos nucléicos e de proteínas, usadas em vacinação humana e animal e em terapia molecular na medicina, e de moléculas estruturais usada em engenharia tecidual, discutidas abaixo.

-                     A Biotecnologia celular Aplicada à Medicina e Saúde envolve a área de genômica, com sua extensão para a terapia gênica, diagnóstico, prognóstico, tratamento e prevenção de doenças e de modulação de defeitos metabólicos. Uma área emergente da biotecnologia médica é a engenharia de tecidos e órgãos, associada com a biologia estrutural e a biomimética. Essa área é profundamente ancorada em conhecimentos da biologia dos sistemas supra­moleculares, da biologia celular e tecidual, da biologia do desenvolvimento e da forma, e dos sistemas integradores dos organismos superiores.

 

            BIOTECNOLOGIA MOLECULAR

            A biotecnologia de moléculas contendo a informação genética trabalha com construções moleculares necessárias para a expressão de proteínas em bioprocessos industriais usando os organismos vivos, ou a produção de vetores visando a transferência de genes requerida em terapia gênica. Os conceitos científicos básicos da construção de vetores estão atualmente bem elaborados. O desenvolvimento nessa área deve envolver essencialmente a otimização de vetores visando a sua maior estabilidade de produtividade.

            Os vetores a serem usados em terapia gênica devem ainda passar por processos de aperfeiçoamento consideráveis: serão necessários vetores contendo os promotores que controlam rigorosamente a expressão de genes, sendo induzidos quando necessário, expressos de maneira tecido-específica, capazes de responder fisiologicamente às necessidade do organismo tratado, e passíveis de serem inativados ou de causar a morte de células transfectadas, quando esse procedimento for necessário frente à evolução do quadro clínico do paciente tratado. O construção das regiões promotoras de segunda geração deverá tornar a aplicação de terapia gênica mais segura, regulando a expressão de genes introduzidos e garantindo a ausência de produtos ou efeitos secundários não desejados. Os vetores plasmidiais são relativamente seguros, embora sensíveis às nucleases e, consequentemente, instáveis e caros. Progressos recentes em modificação das propriedades dos plamídios associando-os ou encapsulando-os com polímeros que prolongam a sua vida útil, ou associação com ligantes que promovem a sua internalização celular mediados por receptores específicos, estão melhorando as perspectivas de uso desses vetores e indicam os caminhos a serem seguidos. Os vetores virais possuem a eficiência de transfecção alta, porém apresentam problemas complexos de toxicidade, patogenicidade e indução da resposta imune hiper-aguda. Os acidentes recentes ocorridos na fase clínica de tratamentos por terapia gênica nos EUA mostram que os processo atualmente propostos estão longe de serem perfeitos, e um campo amplo de pesquisa em terapia gênica está ainda aberto.                   

            A produção de proteínas recombinantes em grande escala já abrange os substitutos de hormônios ou mediadores intercelulares humanos e proteínas virais potencialmente usadas na vacinação ou imunomodulação em humanos e animais. A produção de proteínas recombinantes envolve um série de passos, iniciando-se com a identificação e caracterização genética da proteína e das suas propriedades bioquímicas, e a definição dos requisitos estruturais para a sua atividade funcional, como o processamento pós-traducional, glicosilação, formação de heterodímeros etc. A produção propriamente dita envolve a escolha do vetor de expressão, a escolha de células em função da complexidade de processamento molecular necessário para a obtenção da proteína funcional, o aperfeiçoamento do bioprocesso de produção, e a separação, purificação e preparo para o uso médico da proteína. O uso médico de mediadores hormonais, fatores de crescimento e citocinas está em franca expansão, em função de avanços consideráveis alcançados na compreensão de vias de sinalização intercelular e intracelular. As enzimas envolvidas foram freqüentemente identificadas e caracterizadas, abrindo a possibilidade da estimulação ou inibição de suas atividades. Uma nova geração de moléculas moduladoras das atividades enzimáticas está encontrando aplicação farmacológica ampla.

            A atenção particular deverá ser dada à expressão de proteínas em sistemas alternativos, além de sistemas tradicionais que usam microrganismos ou células animais. Os sistemas mais complexos devem permitir a expressão simultânea de mais de um gene com obtenção de proteínas heterodiméricas, como o sistema de expressão em Neurospora. A expressão de proteínas humanas em vegetais e animais superiores é muito promissora, devendo levar à produção de complexos moleculares fisiologicamente ativos, com um rendimento produtivo muito mais importante, a baixo custo.

*  *  *

            No Brasil, a primeira parte dos processos citados pode ser feita, em grande parte, nas instituições acadêmicas de pesquisa biomédica. O Brasil possui centros de excelência em bioquímica, ciências biomédicas e farmacológicas, assim como na área de imunologia dirigida para a vacinação. A competência de pesquisas nessa área já está instalada, e recursos humanos de mais alto nível estão disponíveis. Todas as análises de capacidade e produtividade científica nacional apontam essas áreas como de excelência, tanto em termos de geração de novos dados científicos, como em termos de capacidade de formação de recursos humanos. A atenção particular deverá ser dada às doenças transmissíveis de animais. Algumas delas são bem conhecidas na agropecuária global (peste suína, febre aftosa), e os processos tradicionais de tratamento e prevenção são disponíveis e aplicados no Brasil. Outras (tripanosomiase bovina, retroviroses eqüinas), são específicas e emergentes na parte central da América Latina, e as pesquisas da sua prevenção e cura deverão ser feitas essencialmente no parque científico brasileiro. O apoio contínuo e intenso a essas instituições deve visar a amplificação de recursos humanos novos e a sua fixação no país, e a capacitação das instituições instaladas a incorporarem as técnicas novas e as informações oriundas da genômica.

            A segunda parte do desenvolvimento da biotecnologia molecular envolve, além de pesquisas acadêmicas, a validação e a implantação de processos industriais. Embora existam no Brasil centros de excelência em engenharia de processos, a interação com a área de biotecnologia não está enraizada, e mecanismos de estimulação dessa interação deverão ser implementados. No mercado internacional, a produção em grande escala de proteínas recombinantes é reconhecidamente um gargalo, já que a capacidade instalada de produção está plenamente saturada. O lançamento recente de várias proteínas de uso potencialmente muito amplo, e a sua aprovação pela FDA, gerou uma demanda que não pode ser atendida nas instalações existentes. Essa parte de desenvolvimento tecnológico requer investimentos vultuosos e uma estreita interação com o setor produtivo. No âmbito internacional, essa parte de desenvolvimento, garantindo investimentos e lucros vultosos, é feita essencialmente nas grandes empresas farmacêuticas multinacionais. Devemos notar que a maioria de companhias menores de pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia oriundas da esfera acadêmica, criadas nos EUA e na Europa na década de 80, foi comprada por empresas gigantes multinacionais de industria químico-farmacêutica. No Brasil, o estado atual nessa área foi agravado pelo fato que a maior parte das industrias farmacêuticas que atuam no país são as multinacionais que não desenvolvem nenhuma pesquisa no país. A transferência de patentes das companhias multinacionais pelo uso abusivo de pipeline, que acompanhou a implantação das patentes na área de biotecnologia, permitiu o registro das patentes antigas como novas, gerando uma dificuldade adicional na implantação de processos de produção no país. Cabe ao poder público introduzir urgentemente as correções necessárias, limitando o poder da proteção de processos industriais vitais para a área de saúde no país (como já proposto para os antivirais usados no tratamento de infeção por HIV) e introduzindo os métodos corretivos que permitirão a transferência de investimentos de empresas multinacionais para o setor de pesquisa e desenvolvimento no país. Devemos notar que, à diferença de outros países industrializados onde os centros de pesquisa e desenvolvimento são em grande parte localizados em instituições privadas, no Brasil esses centros de competência instalada fazem parte de sistema público acadêmico e de instituições governamentais de pesquisa, que possuem uma estrutura e quadros científicos de excelente nível. Já que a experiência prévia nos ensina que não será possível obrigar as empresas multinacionais instalarem novos centros de pesquisa no país, devem ser previstos mecanismos de transferência criteriosa de incentivos financeiros para o setor de pesquisa já instalado no país. No lugar de ensaios de transferência de modelos que operam nos EUA e Europa, devemos procurar implantar um modelo original, centrado nas estruturas já existentes no país. O exemplo recente e extremamente frutuoso da intensa expansão de estruturas públicas e acadêmicas instaladas no Estado de São Paulo, devida ao financiamento criterioso e amplo da FAPESP e dos organismos associados em torno do Projeto Genoma, deve ser seguido pelo poder federal. Nesse caso, a transferência de competência adquirida no setor público para a área industrial já está sendo realizado naturalmente, mostrando a viabilidade desse modelo de desenvolvimento.  Em função da irregularidade de investimentos, a pesquisa e o desenvolvimento de bioprocessos no país está ainda insuficiente, e os centros que já possuem núcleos instalados devem receber o apoio adequado para um desenvolvimento rápido.           

           

            GENÔMICA

            Os avanços impressionantes da genômica na última década terão efeitos consideráveis na área médica. O sequenciamento do genoma humano nos traz a informação do tamanho do problema a ser estudado. O numero menor do que esperado de genes identificados nos ensina que a sua interatividade e os fenômenos pós-transcricionais são mais amplos e mais relevantes do que inicialmente avaliados. Enquanto a beleza da simplicidade do código genético nos permite o uso de sistemas automatizados de sequenciamento e uma análise computacional da sua estrutura, a compreensão da sua função e, consequentemente, dos desvios patológicos, envolve sistemas conceituais teóricos e operacionais muito mais complexos. Por um lado, estudos combinatórios de seqüências associadas estatisticamente com certas patologias nos fornecem ferramentas potencialmente úteis em aplicações médicas imediatas da genômica. A capacidade de identificação de fatores genéticos de risco individual ou populacional para o desenvolvimento de certas patologias traz claramente benefícios na predictibilidade de riscos decorrentes de certos padrões de interação com o meio ambiente e a possibilidade de prevenção das conseqüências não desejadas. Enquanto o sistema público de saúde no país é ainda o mediador principal da prevenção e assistência médica da grande parte da população nacional, esforços adequados serão necessário para a transferência de novos conhecimento e a sua disponibilidade para a população em geral. Por outro lado, a compreensão plena dos mecanismos celulares e moleculares envolvidos na fisiologia e patologia humana vão requer estudos extensos em bioquímica estrutural e funcional de proteínas e, ainda muito mais, da função de sistemas complexos celulares, teciduais e sistêmicos. A iniciativa da integração das unidades científicas e acadêmicas nacionais, liderada atualmente pelo Estado de São Paulo, mostra o caminho e indica a necessidade de integração nacional maior.      

*  *  *

            Graças ao esforço da FAPESP associada, na área de saúde, com o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer de São Paulo, o Brasil é atualmente um dois países mais desenvolvidos na área de genômica, e a infraestrura instalada garante a manutenção dessa posição no próximos anos. Esse esforço pode servir de exemplo para outras áreas. O sequenciamento de genoma humano, e o projeto de análise de genoma do câncer, representam muito mais um início de uma nova era de pesquisa biomédica do que um resultado final. As aplicações médicas desse conhecimento dependem da capacidade de análise de sistemas complexos, já que a maioria de patologias dominantes (doenças cardio-vasculares, doenças degenerativas, câncer, doenças infeciosas) são dependentes de fatores multigênicos. Em paralelo com a capacidade já instalada de estudos genômicos moleculares, o Brasil dispõe de uma capacidade invejável de pesquisa instalada na área de estudos celulares e de sistemas complexos, capazes de entrar em pesquisas da época pós-genômica. Esses centros são essencialmente localizados em grandes Universidades Federais (destacam-se as UFRJ, UFRGS, UNIFESP, UFMG) e, na área de infectologia, nos centros de pesquisa da FIOCRUZ. O Governo Federal deve prever e planejar um esforço particular nessa área, para valorizar esse capital de excelência de recursos humanos já existente.              

 

 

            BIOENGENHARIA E BIOMIMÉTICA

 “Ten Millenia ago the development of agriculture freed humanity

from a reliance on whatever sustenance nature was kind enough

to provide. The development of tissue engineering should provide

an analogous freedom from the limitations of the human body”

- D. Mooney, T. Mikos

            A área emergente de bioengenharia médica visa a substituição terapêutica de estruturas multicelulares, teciduais ou equivalentes a órgãos. Ela pode ser qualificada de “Medicina Regenerativa”, pois visa o reparo de tecidos lesados ou degenerados por substitutos funcionalmente e estruturalmente equivalentes. A bioengenharia abrange os processos que usam as células vivas autólogas, alogenéicas ou xenogenéicas como agentes terapéuticos. A biomimética usa moléculas e estruturas supramoleculares para induzir processos de regeneração mediados por células endógenas, ou combina o uso de células exógenas, mais freqüentemente manipuladas ex vivo ou cultivadas in vitro.

            A Medicina Regenerativa procura controlar e ampliar a capacidade natural de regeneração de tecidos. A regeneração mantém naturalmente a homeostasia tecidual, substituindo continuamente as células gastas. Os tecidos altamente expostos ao estresse externo são intensamente regenerados, como o epitélio intestinal ou cutâneo, assim como os tecidos caracterizados pela alta taxa de renovação contínua, como as células sangüíneas. Por outro lado, ela pode eventualmente reparar, quando necessário, os tecidos lesados por trauma, doença ou senescência. A Medicina Regenerativa busca criar condições ideais para o reparo e a substituição de tecidos lesados, fornecendo elementos celulares requeridos,  os fatores de proliferação e diferenciação celular que podem garantir a geração de quantidade suficiente de células novas, e as estruturas supramoleculares que providenciam a organização espacial plenamente funcional de novos tecidos gerados e a sua integração sistêmica. O conjunto dessas ações representa o campo de ação da bioengenharia, compreendendo a engenharia celular e tecidual, e a biomimética.

            A importância crescente da Medicina Regenerativa é devida às modificações demográficas e sociais. O aumento progressivo da idade média das populações humanas, e em particular das populações urbanas, gera a necessidade de garantir cada vez mais a qualidade da vida, compatível com um custo e uma carga social aceitáveis. Calcula-se que o número de habitantes de terceira idade (65-85 anos) triplicará nos próximos 50 anos, e o número de habitantes em senectude crescente (>85 anos) será multiplicado por seis. O segundo desses dois grupos consome vinte vezes mais custos da assistência médica e duas vezes mais internação hospitalar do que o primeiro. As doenças degenerativas são a causa essencial e crescente dessa carga social, causando a deterioração da qualidade de vida e aumento dos custos da assistência médica. - Por outro lado, as populações jovens, vivendo em aglomerações de alta densidade, estão mais expostas a lesões traumáticas. Embora numericamente menos significativas, essas lesões tem um altíssimo custo social, gerando freqüentemente pessoas jovens debilitadas ou permanentemente incapacitadas para uma vida normal e produtiva. Em populações urbanas do Brasil, as lesões traumáticas são a primeira causa tanto da internação hospitalar quanto da morte na segunda e terceira décadas da vida dos jovens.

            Ambas as situações exigem terapias que possam preservar, melhorar, e/ou restaurar as funções teciduais. Contrastando com a produção de fármacos, antibióticos ou vacinas que podem ser usados indistintamente por um grande número de habitantes, a Medicina Regenerativa é individual, dirigida especificamente a cada um dos casos atendidos, no seu contexto particular. Trata-se portanto de uma medicina individualizada, cuja ação pode envolver duas etapas, independentes ou associadas:

-          a manipulação ex vivo de células do próprio paciente, sua expansão, diferenciação e integração potencial em estruturas ordenadas superiores, que serão re-introduzidas nas regiões lesadas e integradas no processo de regeneração (bioengenharia ou engenharia tecidual);

-          a introdução, nas regiões lesadas, de estruturas supramoleculares, semelhantes aos elementos de matriz extracelular e mediadores intercelulares associados, facilitando a mobilização, expansão e integração de populações de células regenerativas internas, fomentando o reparo de lesões ou de regeneração e renovação de tecidos degenerados (biomimética).    

            Ambos os processos se beneficiam dos avanços espetaculares da genômica, tendo potencialmente acesso às informações necessárias para definir o perfil do paciente, as necessidades de células envolvidas nos procedimentos planejados, e controlando a interação entre as células manipuladas, os tecidos internos e os elementos estruturais extracelulares. Os conhecimentos mais amplos da área de pós-genômica são a base conceptual dessa parte de medicina, requerendo uma extensão de conhecimentos genômicos para os das organizações celulares, das interações e de funções celulares, e da função das estruturas supracelulares.

            Dois novos conceitos justificam atualmente a renovação dos projetos em bioengenharia:

            - No últimos anos, o conceito do uso potencial da célula tronco-progenitora, de origem embrionária ou de organismo adulto, introduziu novas perspectivas em tratamento celular de patologia teciduais. A possibilidade de cultivo de células progenitoras embrionárias (embryonic stem cells – ESC) humanas a partir de blastocístos obtidos por fecundação in vitro, permitiu propor transplantes de células embrionárias totipotentes em tecidos degenerados, conseguindo uma regeneração in situ de populações celulares funcionais. Aplicações clínicas já foram obtidas em tratamento de doenças degenerativas do sistema nervos central. Enquanto os implantes nos sítios imunologicamente privilegiados não encontram obstáculos maiores, uso de células embrionárias alogenéicas enfrenta o problema de rejeição imunológica. Uma das soluções atualmente estudadas é o transplante do núcleo de células do receptor para as células embrionárias cultivadas, gerando assim clones de células autólogas com características de células progenitoras embrionárias totipotentes.

            - Uma via alternativa foi vislumbrada com estudos recentes, mostrando que o organismo adulto possui uma reserva de células tronco-progenitoras pluripotentes. A fonte mas ampla é aparentemente a medula óssea, cujas células tronco mostram a capacidade de diferenciação praticamente totipotente, incluindo (em modelos animais) uma capacidade de diferenciação em um ampla gama de células de origem mesenquimal, endodérmica e ectodérmica. Como essas células podem ser facilmente colhidas, e potencialmente cultivadas ex vivo, esse novo conceito abre amplas possibilidades de seu uso em medicina regenerativa, nos sistemas autólogos e portanto isentos de problema de rejeição imunológica. Além das células progenitoras medulares, vários tecidos guardam a reserva interna de células pouco diferenciadas com capacidade de regeneração. As células satélites de fibras musculares esqueléticas são um dos exemplos clássicos, assim como pericitos pericapilares. Estudos recentes mostraram que, embora engajadas em uma via, ou em um número limitado de vias de diferenciação (committed stem cells), essas células podem ser induzidas em transdiferenciação, como por exemplo a obtenção de condroblástos e osteoblástos a partir de células satélites musculares ou de pre-adipócitos. Resultados semelhantes foram obtidos com células do sistema nervoso central: sabemos hoje que células tronco-progenitoras existem no sistema nervoso central adulto, podendo dar origem a neurônios e astrócitos. Essas observações abrem uma perspectiva ilimitada para a medicina regenerativas cujos limites parecem ser cada dia mais amplos.

            A possibilidade de diferenciação alternativa de células progenitoras, induzida por ambiente tecidual in situ ou ex vivo, levanta a segunda questão atualmente relevante: quais os mecanismos moleculares que determinam ou induzem a diferenciação de células tronco-progenitoras em um fenótipo particular, e qual a relação entre os fenômenos algo opostos e complementares de proliferação e diferenciação celular, ambos requeridos para a aplicação em medicina regenerativa. Conhecimento de fatores de crescimento e de diferenciação celular secretados para o ambiente intercelular, e de elementos estruturais intercelulares que compõem o “ambiente tecidual”, mostra cada vez mais a importância de complexos multimoleculares organizados. Essas estruturas de ordem de organização  superior  adquirem as propriedades novas que não representam mais o somatório das propriedade de seus elementos isolados. A complexidade dessas estruturas representa o desafio para a biomimética funcional, que deseja criar as condições adequadas para a mobilização de células pluripotentes endógenas, ou introduzidas após a amplificação e manipulação dessas células ex vivo.

*  *  *

            As inovações conceituais e tecnológicas representam o trilho central do desenvolvimento de Bioengenharia tecidual. Diferente da Biotecnologia Molecular e Genômica, os modelos do crescimento da bioengenharia e biomimética ainda não estão estabelecidos. Nos EUA, mais de 90% de investimentos nessa área, que somaram na década de 90 mais de 3 bilhões US$, com um crescimento em 2000/2001 superior a 1,5 bilhão US$, são oriundos da área industrial privada. No entanto, a análise de perfil dos investimentos mostra que a área privada investe essencialmente em processos já estabelecidos. Cinco de maiores companhias americanas de engenharia tecidual têm como o produto principal os substitutos de pele. Visando corrigir essa falta de visão prospectiva, as agências públicas federais dos EUA estão aumentando o seu esforço, tendo investido na mesma década 83,2 milhões US$, dos quis 19,3 US$ em 2000.     

            No Brasil, a demanda para os procedimentos médicos de bioengenharia tecidual origina-se tanto na área hospitalar privada quanto em centros médicos públicos. Para a rede privada ela representa a possibilidade de oferecer um tratamento de alta complexidade a um público qualificado com poder aquisitivo compatível com o custo alto e habituado às despesas envolvendo tratamento e prevenção médica. Para a rede pública, a demanda origina-se na obrigação de atender a procura e resolver patologias crônicas complexas e lesões graves, que geram para a sociedade um custo extremamente elevado. Embora exista o interesse da rede privada nessa área, a sua capacidade (e vontade) de investimento é limitada. No estado de Rio de Janeiro 80% de atendimentos médicos classificados pelo SUS como de “alta complexidade” são realizados na rede pública, principalmente nos hospitais UFRJ e nos Institutos Nacionais de Câncer e de Traumato-Ortopedia. A situação é semelhante em outros estados. Seguindo a experiência dos EUA, cabe ao Governo Federal prever os mecanismos de interação entre as partes interessadas e, mais uma vez, fornecer o apoio adequado aos grupos já instalados no país que possuem um capital elevado em recursos humanos.

*  *  *  

voltar

 

 

 

 

Apoio Financeiro: