Radovan Borojevic:
Uma Trajetória!
updated on 08/03/2005
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Radovan
Borojevic nasceu na Croácia em 16 de novembro de 1940, filho de um militar
sérvio e de uma pianista croata. Cresceu e estudou em Zagreb, cercado de
intelectuais, tendo sido o avô um Doutor em Ciências Jurídicas e o bisavô Doutor
em Psicologia. Embora tenha recebido no Colégio Clássico de Zagreb uma educação
orientada para as ciências humanas, com formação em grego e latim, além de um
ensino rigoroso em ciências exatas, optou mais tarde pelas ciências naturais. Do
tempo em Zagreb herdou a persistência no trabalho e uma abordagem ampla do
conhecimento humano.
Cursou biologia na Faculdade de Ciências
da Universidade de Zagreb, participando ativamente em estudos de biologia
marinha nos Institutos de Rovinj e de Dubrovnik no mar Adriático. Ainda na
graduação, obteve uma bolsa de estudos na Universidade de Estrasburgo. Foi no
Instituto de Zoologia daquela universidade que o então jovem estudante teve a
sorte de encontrar o Professor Claude Lévi e de iniciar os seus estudos em
taxonomia, evolução e ecologia das esponjas. A influência do Professor Lévi foi
determinante em sua formação científica, aguçando sua curiosidade e
ensinando-lhe metodologia e disciplina, fatores imprescindíveis na formação de
um cientista e de um ser maduro. Assim, a partir da graduação foi tornando-se
progressivamente um dos especialistas do filo Porifera. A escolha das esponjas
como modelo de estudo influenciou o curso de sua vida científica, fazendo com
que ele passasse a pensar no modelo de organização multicelular primitiva e no
ponto de partida da evolução dos metazoários.
Em 1963 recebeu o “Diplôme d’Etudes
Supérieures” na Faculdade de Ciências da Universidade de Estrasburgo. Naquele
mesmo ano passou a exercer a função de pesquisador do CNRS (Centro Nacional de
Pesquisas da França). Em 1968, defendeu o seu “Doctorat en Sciences”, na
Universidade de Paris, aprofundando seus estudos em evolução, diferenciação
celular e morfogênese dos organismos multicelulares primitivos. A confiança na
coerência de seus pensamentos deu-lhe ousadia para publicar sua tese de
doutorado na renomada revista Developmental Biology, em1966. O trabalho trazia
em seus argumentos uma visão evolutiva da organização multicelular e da
segregação, desde o início da multicelularidade, das células-tronco e células
diferenciadas. Sua hipótese foi confirmada posteriormente através de estudos
genéticos e moleculares, desenvolvidos por seus alunos e seguidores,
corroborando suas premissas.
Ainda em 1968, participou
ativamente da instalação e organização de um novo Laboratório de Biologia de
Invertebrados Marinhos, no Museu Nacional de História Natural de Paris,
juntamente com o Professor Lévi, nomeado Professor Titular daquela instituição.
Como cidadão francês naturalizado, foi convocado ao serviço militar, integrando
o Serviço de Cooperação Científica e Técnica do governo francês. Foi enviado
para a Universidade Federal de Pernambuco, sendo encarregado do ensino e
formação de pesquisadores no Laboratório de Ciências do Mar da UFPE. Respondendo
à solicitação da Marinha do Brasil para avaliar os recursos marinhos regionais
em missões oceanográficas abrangendo toda a costa entre embocaduras do Rio
Orinoco e Rio de la Plata, pôde contrastar as maravilhas paisagísticas da costa
do Atlântico com os problemas de nutrição e saúde dos habitantes das regiões
tropicais e sub-tropicais. As belezas naturais de nosso País aliadas à maneira
alegre de viver de seu povo pobre de recursos, o fizeram permanecer aqui.
Com o firme propósito de
colocar os seus conhecimentos científicos em prol da melhoria da qualidade de
vida das populações mais necessitadas, aceitou em 1971 a proposta feita pelo
Serviço de Cooperação Científica e Técnica da França e pelo Instituto de
Pesquisas da Marinha do Rio de Janeiro: o desafio de organizar o Laboratório de
Biologia Experimental daquela instituição. Vários pesquisadores brasileiros
foram orientados por ele nos estudos dos recursos marinhos. Naquele período, foi
encarregado também do desenvolvimento de modelos in vitro da infecção
esquistossomótica. Da estreita colaboração com o grupo do Professor José
Pelegrino da UFMG veio o seu grande interesse pelos estudos de biologia
parasitária e patologia celular, reencontrando nesses estudos, os modelos de
controle da proliferação e diferenciação celular e da morfogênese, que havia
deixado de lado desde o término do seu Doutorado.
No mesmo período o Serviço
de Cooperação Científica e Técnica de França, juntamente com a Fundação Gonçalo
Moniz, desenvolvia um amplo projeto de pesquisa sobre a esquistossomose na
Bahia. Mais tarde, nomeado pela embaixada da França como encarregado do projeto,
juntamente com a Fundação Gonçalo Moniz ampliou a colaboração com a França,
envolvendo os Laboratórios de Biologia e Imunologia Parasitária de Instituto
Pasteur de Lille e o Laboratório de Patologia Celular do Instituto Pasteur de
Lyon. Entre 1972 e 1978, foram desenvolvidos nesse projeto cooperativo amplos
estudos epidemiológicos e imunopatológicos. A organização Mundial de Saúde em
Genebra reconheceu o interesse do programa e o nomeou conselheiro externo da
OMS. Nesse período, desenvolveu estudos em imunologia geral e aplicada, bem como
estudos em citologia e citopatologia ultraestrutural. Na Universidade Federal da
Bahia começou a sua atividade acadêmica, participando no ensino em nível de
pós-graduação, tendo inclusive sido nomeado membro da Coordenação Central de
Pesquisa e Pós-Graduação.
Foi convocado em 1978 pelo
mesmo Serviço de Cooperação Científica e Técnica, para nova função no Instituto
Reza Pahlevi de Teheran em colaboração com o Instituto Pasteur. A decisão de
recusar ao chamado e desligar-se do Serviço de Cooperação, deu-se pelo fato de
não mais querer se envolver em atividades de gestão dos programas de cooperação
internacional, que já lhe haviam tomado muito tempo em atividades
administrativas. O seu desejo era o do retorno integral à pesquisa científica
fundamental. Assim, voltou a postular novamente a função de pesquisador do CNRS
e procurou integrar à vida acadêmica, indo para a Universidade Santa Úrsula, Rio
de Janeiro, onde foi convidado para ampliar o Departamento de Biologia Humana.
Iniciou uma nova série de pesquisas sobre a dinâmica da mobilização de células
inflamatórias e sobre a mielopoese em situações normais e patológicas. Mesmo
mantendo a colaboração com a Unidade de Patologia do Instituto Pasteur de Lyon,
sentiu as limitações estruturais para o desenvolvimento de pesquisas
fundamentais em uma universidade particular. Em 1980 aceitou o convite para
integrar o Departamento de Bioquímica da UFRJ como professor visitante.
O convênio com o Instituto Pasteur lhe
permitiu participar ativamente do Departamento de Bioquímica. Com o passar do
tempo, foi tornando-se difícil estar entre os dois laboratórios, pois as
atividades de ensino no Curso de Pós-graduação em Bioquímica e o desafio de
formar uma jovem equipe de pesquisadores na UFRJ, exigiam sua presença no Rio de
Janeiro. Ao mesmo tempo, o Instituto Pasteur e o CNRS indicavam claramente o
desejo de contar com a sua presença em Lyon. Mais uma vez, ciente dos riscos e
das vantagens, tomou a decisão de se demitir do CNRS e prestar concurso para
Professor Adjunto no Departamento de Bioquímica da UFRJ, no ano de 1986.
Tornou-se Professor Titular em 1994.
Esse seu período no Instituto de Química
foi produtivo. No Departamento de Bioquímica, em 1980, idealizou e criou o
primeiro e único Banco de Células da América Latina, do qual é Diretor. O Banco
funciona hoje no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) e possui
um acervo de aproximadamente 300 linhagens celulares. Nesse mesmo período,
participou da criação do primeiro curso de biotecnologia no Brasil, na Escola
Técnica Federal de Química do Rio de Janeiro. Esta grande iniciativa permitiu
formar jovens talentosos que foram absorvidos integralmente tanto pelo mercado
de trabalho como pelos cursos das áreas biomédicas da UFRJ. Participou também
ativamente na organização e instalação do pólo de Biotecnologia - Bio-Rio, tanto
como membro da Comissão Executiva, bem como Membro Titular e Coordenador
Científico do Conselho Diretor da Fundação Bio-Rio. Com sua visão ampla não
poderia deixar de apoiar uma proposta de interação entre o setor científico e o
setor produtivo.
O seu vasto conhecimento em biologia
celular, bem como seus conhecimentos acumulados em Hematologia Experimental,
levaram-no em 1994 a uma parceria notável com o Professor Halley Pacheco, e à
criação do primeiro grupo de transplante autólogo de medula óssea. Nesse
projeto, montou também o serviço de criopreservação e controle de qualidade de
células progenitoras hematopoéticas antes e depois do congelamento. A rotina na
manipulação das células humanas e a experiência acumulada de anos dedicados à
biologia celular e aos transplantes de medula óssea credenciaram-no a ser
pioneiro no estudo das células-tronco no Brasil. Naquela época, cientistas de
todo o mundo estavam ainda começando a perceber o enorme potencial das células
tronco. Sua visão global da ciência e da abordagem integrada de diferentes áreas
permitiram-no criar e coordenar as terapias celulares envolvendo pele e seus
substitutos, as terapias celulares ósseas e de cartilagem e as terapias
cardíacas.
A sua vinda, em 1997, para o
Departamento de Histologia e Embriologia do ICB, UFRJ, colocou-o mais perto dos
pesquisadores da área de saúde do CCS e do HUCFF. Essa proximidade levou-o à
criação do Programa Avançado de Biologia Celular Aplicado à Medicina e à
concretização dos serviços de terapia celular. As terapias cardíacas
desenvolvidas junto ao Hospital Pró-Cardíaco, no Rio de Janeiro, renderam
resultados excepcionais. Por esses trabalhos, foi indicado pela mídia
(Jornal O Globo) como Destaque do Ano em
Ciência, em 2003. Seu trabalho na área de
terapias ósseas e de cartilagem no Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia
continua em franco progresso, levando-o a concretizar o sonho de fazer ciência
em prol da saúde e de ter cada vez mais a certeza de que pesquisa se faz em
equipe. Segundo suas próprias palavras: “ninguém faz ciência sozinho, eu
represento um grupo que trabalha em conjunto....”
De observador da natureza a
profundo conhecedor da diferenciação celular e da morfogênese dos organismos
multicelulares, esse mestre formou centenas de alunos e publicou outras centenas
de trabalhos. Participando com o seu convívio, ensinamentos, sugestões e uma
grande capacidade de colocar a ciência a serviço de todos que dela dependem, ele
contribuiu assim ao desenvolvimento científico, acadêmico e humano nacional.
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